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Ilustração de João Rodrigues para A Filosofia na Alcova, 1a. Edição

Vejo as pessoas indagarem. Já ouvi tantos absurdos. Dia desses um dizia que veio do Egito. Ah, sim, de certo passou por lá. Imagina o sadismo de tornar um cara eunuco para então lhe confiar seu hárem. Caraca. Mais recentemente alguem apostava que os Satanistas vieram primeiro. Se calha esqueceram da “Santa” Inquisição com aquelas engenhocas impressionantes de tortura.

É tão absurdo pretender contar essa história. É o mesmo que dizer que a homossexualidade veio de Porto Alegre (heheheh não resisti!). Quem sabe dizer quando foi que surgiu o primeiro homossexual no mundo? E o primeiro sádico? Basta ler os livros de história. O sadismo existe desde que o mundo é mundo.

Foi mudando de cara na mesma proporção em que a vida humana foi sendo mais valorizada. Porque na antiguidade pessoas morriam para deleite dos Reis. Os inimigos derrotados eram oferecidas em banquetes macabros.

O que mudou foi que a vida hoje vale mais hoje do que valia há trezentos ou quatrocentos anos.Os sádicos são os mesmos. E de certa forma havia um consenso: os derrotados seriam sempre escravizados.

Foi o valor da vida humana que mudou, afinal.

As referências foram se modificando e lá um dia Sade apontou a roupa do Rei: “Isto não tem nada a ver com a guerra, nem com as religiôes, nem com a honra:  isto é sexual!” E então nos chamaram de libertinos.

E dai então a história deve ter se perdido de novo e nos encontramos novamente há 40 anos quando os gays levantaram a bandeira da diversidade.

Eu acho que foi assim até os dias de hoje, no formato SSC com direito a safe-word.

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MARQUÊS DE SADE


Aos Libertinos

(texto do Marquês de Sade)

Voluptuosos de todas as idades e de todos os sexos é a vós apenas que ofereço esta obra: nutri-vos de seus princípios, eles beneficiam vossas paixões, e essas paixões, com as quais os frios e insípidos moralistas vos assustam, são apenas os meios que a natureza emprega para que o homem alcance as intenções que ela tem sobre ele; atentai apenas a essas paixões deliciosas; seu órgão é o único que vos deve conduzir à felicidade.

Mulheres lúbricas, que a voluptuosa Saint-Ange seja vosso modelo; desprezai, a exemplo dela, tudo o que contraria as leis divinas do prazer que a acorrentaram durante toda a vida.

Donzelas cerceadas durante um tempo demasiado longo nos laços absurdos e perigosos de uma virtude fantástica e de uma religião repugnante, imitai a ardente Eugênia; destruí, pisai, com a mesma rapidez que ela, em todos os preceitos ridículos inculcados por pais imbecis.

E vós, amáveis debochados, vós que, desde a juventude, não tendes outros freios senão vossos desejos nem outras leis senão vossos caprichos, que o cínico Dolmancé vos sirva de exemplo; ide tão longe quanto ele se, como ele, quereis percorrer todos os caminhos floridos que a lubricidade vos prepara; deixai-vos convencer ao seu ensino de que apenas ampliando a esfera de seus gostos e de suas fantasias, apenas sacrificando tudo à voluptuosidade é que o infeliz indivíduo conhecido como homem, e lançado a contragosto nesse triste universo, pode conseguir semear algumas rosas nos espinhos da vida.

Marquês de Sade. A Filosofia na Alcova. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Circulo do Livro, s/data.