O texto que estou postando é do Edgeh, autor do livro Sem Mistério.
Encontrei numa página do Orkut. Era a comunidade Desejo Secreto.

Muito debate, muito aprendizado.

E esse texto me representa muito.
Eu sou bicho solto também.

Sobre ser ou não ser…

“Estava aqui vendo as postagens sobre as dúvidas em ser ou não ser submissa que algumas recém-chegadas colocaram no ar. Apesar de já terem debatido sobre o assunto, cabe deixar aqui um outro enfoque,que é o seguinte: submissão, não necessariamente, é um estado de espírito; pode ser simplesmente um estado de tesão. Eu, que nunca fui litúrgico nem nunca fiz questão de que os outros fossem, e que desde sempre encaro o BDSM muito mais como uma alternativa adulta de prazer sexual, um jogo erótico pura e simplesmente, nunca me dei também ao trabalho de querer vivenciar esse tipo de jogo e de prazer fora do seu contexto sexual. Em outras palavras, eu não vivo BDSM; eu vivencio BDSM.

Há uma diferença fundamental de postura nisso. Quem vive, e especialmente no caso da submissão, submete-se total e francamente, quase incondicionalmente, a alguém. Jamais fui capaz de fazer isso, e provavelmente jamais serei, salvo pela eternidade de uma sessão ou de um encontro. Terminado o ato, terminada a sessão, terminado o encontro, terminou também o meu papel de submisso. Já para quem vive, ou pretende viver o BDSM, o caminho é, naturalmente, bem mais árduo e complexo. Ou alguém acha que é simples manter uma postura submissa o tempo todo, estar à disposição de quem domina a qualquer hora, pronto a cumprir ordens no momento em que elas chegam, sem discussão nem desculpas? Pois é. Por uma série de motivos, eu jamais cheguei a esse ponto, e confesso que nunca tive o menor interesse de chegar.

Não duvido que há quem lá esteja, e tampouco critico quem lá quer chegar – mas acho importante deixar claro que este não é o único caminho a ser seguido no BDSM – aliás, nenhum caminho aqui é único. Isto posto, é bom e saudável que quem aqui chega com tais e quais dúvidas, sobre se se é ou não se é submisso, saiba já de início que não viver submissivamente não quer dizer que não se possa vivenciar a experiência de viver submissivamente.

Ser ou não ser é uma coisa; querer ou não querer, outra coisa. E sim, é possível querer, e praticar, sem ser preciso viver a submissão 24 horas por dia, nem assumir esta postura como uma regra de vida. Digo isso porque já vi muita gente tentando entrar nesse nosso mundo e desistindo semanas ou meses depois, por força de exigências e regras que não eram capazes de cumprir, e que por não o serem, se achavam automaticamente excluídas; pois se não eram capazes de cumprir ordens, evidentemente não seriam capazes de se assumirem.

Cuidado, porém, com os evidentementes. O BDSM não tem bíblias de comportamento, nem de posturas; temos acordos entre as partes envolvidas, pura e simplesmente; e o que é uma regra imutável para uns, é apenas uma sugestão para outros e nem mesmo isso para outros ainda. O que vale, e o que é preciso ter sempre em mente, é que trata-se de um jogo para dois, jogo cujas regras serão escritas por eles, e apenas por eles, da maneira que lhes for mais prazerosa e possível. Não somos uma massa amorfa; todos temos nossas histórias, nossas limitações, nossos desejos. Não temos, por isso mesmo, como seguir normas determinadas por outrém, especialmente se tais normas não nos garantem o prazer ou o crescimento interior, objetivos últimos de quaisquer relações – no BDSM, inclusive. sobre ser ou não ser, final.

Então, juntando tudo isso, minha resposta para quem se pergunta se é ou não é submissa, escrava, dominadora, é esta: não há como saber. Até vocês não tentarem, até não experimentarem os seus próprios desejos, não há como saber. Pouco importa se for para viver ou vivenciar a experiência: há que se experimentar, e há que se fazer isso da maneira certa: com calma, negociando cada passo e cada etapa, respeitando os próprios limites do corpo e da mente.

Quem se sente atraído para o BDSM normalmente o faz porque, no fundo, sente que as práticas serão excitantes. Mas a prática idealizada é diferente da “prática praticada” – ou seja, imaginar que levar uma chicotada é prazeroso é uma coisa, mas levar a chicotada de fato pode ser outra muito diferente – nada prazerosa, aliás. Como saber isso, porém, sem que se leve a chicotada? O problema é que muitas pessoas no meio acham que, para ter direito a levar esta simples e primeira chicotada, uma submissa deve fazer juras de amor eterno e usar coleira. É problema dessas pessoas, e problema maior ainda de quem aceita tais termos.

Eu, por meu lado, acho que todos e todas têm o direito de experimentar o que quiserem, sem compromissos outros que não a própria curiosidade e desejo. É o suficiente para um primeiro passo. Os outros, se houverem, virão a seu tempo – e serão muito mais seguros. Em resumo: um pouco menos de liturgia e filosofia, um pouco mais de liberdade de experimentar sem grandes compromissos, com a simplicidade de uma criança que testa um brinquedo novo, do qual pode ou não gostar. Espero não ter confundido ninguém… Abs, Edgeh”
08/2009