“É simples: nós escolhemos fazer o que fazemos. Nós escolhemos as pessoas com quem desejamos compartilhar o que fazemos. Nós sabemos o que estamos fazendo. E o que fazemos é consensual. Ponto.” do livro “Bound to be Free” , de Charles Moser.

De todas as tramas da sensualidade, entre todos as possibilidades (e são infinitas) a que mais me encanta é a prática do BDSM. Me encanta porque é rica em fetiches , cenários, histórias. É envolvente!
BDSM é um conjunto de práticas que se definem principalmente pela troca de poder erótico. As práticas envolvidas são: B de Bondage, D de Disciplina e SM de Sadomasoquismo.
Bondage refere-se a relação na qual um dos parceiros está necessariamente imobilizado com cordas, correntes ou algemas, etc., ficando portanto à mercê do outro. Há formas bem light de experimentar, outras formas bastante artísticas como o Shibari e outras ainda que se referem ao fetiche por cárcere, por exemplo. Outro tipo de jogo muito apreciado em Bondage é a privação de sentidos.
Disciplina diz respeito a todas as formas de treinamento que podem ocorrer numa relação de subordinação como punições, cumprimento de ordens, etc.
Sadismo e Masoquismo que talvez seja a parte mais intrigante e mal compreendida dos relacionamentos BDSM. Aquela em que um dos parceiros se submete ao outro a fim de receber estímulos relacionados a dor. Uma coisa importante é que as pessoas entendam claramente a diferença entre práticas sadomasoquistas do popular e nefasto sadismo , por exemplo.
A diferença está nos três preceitos básicos que norteiam todas as relações BDSM e que são identificados pela sigla SSC: são, seguro e consensual . Toda a vivência BDSM está apoiada nesse tripé e na ausência de qualquer um desses preceitos, a relação deixa de ser considerada saudável e chamamos de abuso sexual.
“O leitor já deve ter compreendido que uma relação BDSM não pressupôe jamais forçar alguém a se deixar torturar ou a torturar outra pessoa. O desenvolvimento entre duas pessoas, de uma relação desse tipo, dá-se da mesma forma que em qualquer outra relação: é preciso que os parceiros se conheçam, tenham afinidades, confiem um no outro e sintam-se atraídos mutuamente, antes que a relação tenha início.
Quem são essas pessoas e porque elas se sentem atraídas pelo mundo BDSM? Essa é outra questão que exigiria mais um livro – e dos bem grossos… Como já dissemos antes, os integrantes dessa comunidade vêm das mais variadas camadas sociais e desenvolvem diferentes atividades. Apenas para citar um exemplo, ainda que restrito à sociedade norte-americana, o Novo Relatõrio Kinsey sobre Sexualidade (1990) mostra que entre 5 e 10% da população americana pratica regularmente alguma forma de sadomasoquismo. Não há, portanto, um padrão de perfil que permita classificar estas pessoas. O que todas elas têm em comum é a relação fundamentada em BDSM. Fora disso, ou seja, em seu trabalho, e em seu dia-a-dia, desempenham atividades absolutamente normais.
Mas o que as teria levado a essa preferência? A resposta para esta pergunta, infelizmente, só poderia ser dada ouvindo-se cada uma dessas pessoas, e não é este o objetivo deste livro. O que podemos dizer, com certeza, é que, na grande maioria dos casos elas têm mentes abertas às novas experiências, são muito pouco preconceituosas e, principalmente, prezam a liberdade acima de tudo: a delas mesmas e a dos outros. E não apenas em questões sexuais, mas de maneira bem mais ampla. Esse é, talvez, o princípio de tudo: aprender, desde cedo, a respeitar os outros – por mais paradoxal que possa parecer, já que estamos falando, aqui, de um tipo de relacionamento no qual a humilhação ou a dominação sobre o parceiro tem um papel fundamental. É importante lembrar trata-se sempre de uma fantasia sexual e não do comportamento usual, diário e, muito menos, profissional. Há uma determinada maturidade na base de todas as relaçoes BDSM, salvo infelizes exceções. Se fossemos tentar “classificar” o caráter dos integrantes desse universo certamente optaríamos por fazê-lo utilizando esses conceitos básicos: maturidade e respeito, por si e pelos outros. À parte isso, pode haver vários outros componentes individuais, que, infelizmentem não temos como abordar aqui.
AS REGRAS DE OURO
A comunidade BDSM preza muito a ética entre seus praticantes. Três conceitos – ou regras – primordiais formam a base dessa ética e de todas as relações entre seus membros: consensualidade, sanidade e segurança. É sobre esse tripé que se firmam essas relações. Se qualquer um deles não existir, a relação torna-se, simplesmente, inaceitável. Todo e qualquer participante deve ter sempre essas regras em mente.
CONSENSO- Se existe um conceito sobre o qual todo relacionamento SM considerado saudável está baseado – tanto faz se uma só cena ou umrelacionamento 24/7 – este conceito é o consenso ou consenso informado.
É o que ocorre quando as pessoas envolvidas trocam informações sobre si, sobre o que gostam, como gostam e de que forma esperam que a relação ou a cena venha a se desenrolar. A consensualidade é essencialpara que jamais haja um mal-entendido entre as pessoas envolvidas. Trata-se de separar o que é aceitável do que é abuso e,também,de se respeitar os limites dos parceiros envolvidos. Se duas pessoas se encontram para uma relação onde uma delas será amarrada, humilhada ou torturada,entre elas deve estar absolutamente claro que tal prática é o desejo de ambas. Forçar, de qualquer maneira, uma delas a participar deste jogo, é, repetimos, abuso.
E o abuso não precisa sequer ser algo explícito, à base de força física. Ele pode começar de uma forma sutil, inocente, como, por exemplo tentar convencer alguém de que “ele vai se sentir bem” sendo amarrado, humilhado ou torturado, quando se sabe que esse alguém jamais aceitaria fazê-lo por sua livre vontade. Pior ainda, querer chantagear o outro com aquele detestável “então você não me ama…” Percebe-se, então, que é possível praticar o abuso de forma muito subjetiva,mas não menos reprovável.
(…) (…) Então, pode-se concluir que o problema do abuso se resolveria com o entendimento prévio entre os parceiros? Infelizmente, não, pois falamos aqui de questões mais complexas. Na verdade, o entendimento prévio se estende por dois níveis: o primeiro é o que determina que a fantasia vai acontecer por livre vontade dos parceiro, sem que qualquer um deles se sinta minimamente obrigado, por qualquer motivo ou argumento, a tomar parte dela. O segundo é mais complexo. É preciso explicar, de forma pormenorizada, o que se espera do parceiro,abrir o jogo quanto às preferências e saber desisitir da relação no momento em que se sentir que o outro não aceita ou não se sente à vontade para participar dela (mesmo que isso aconteça no meio da cena). Como já dissemos antes, BDSM é um jogo de adultos, que deve ser jogado por adultos capazes de assumir responsabilidades de adultos. O prazer sempre tem que ser mútuo, não importando se alguns dominadores digam que só interessa o prazer deles,nunca o do submisso. Tal afirmação não deve ser aceita, porque abre espaço para que o abuso aconteça. As práticas BDSM visam à satisfação de desejos e fantasias de duas pessoas,não de uma só. Quem quiser defender apenas o prórpio prazer, que vá alugar um filme pornô e se divertir sózinho… “
Trecho extraído do livro Sem Mistério – Uma abordagem (na) prática de Bondage, Dominação, Sadismo e Masoquismo.
Edgeh Cia do Desejo 2002 (esgotado)